Os auscultadores de realidade virtual podem no futuro ser considerados vestimenta adequada para uso em tribunais.
A realidade virtual é comumente empregada para diversão e aprendizado, envolvendo indivíduos em ambientes virtuais criados por computador. Atualmente, os pesquisadores da Austrália estão investigando as possíveis vantagens que a realidade virtual poderia trazer para um contexto judicial – e os primeiros resultados são encorajadores.
Em um estudo divulgado em maio, acadêmicos da Universidade do Sul da Austrália examinaram se a utilização da realidade virtual para analisar locais de crime poderia auxiliar jurados na tomada de decisões durante julgamentos. Ao compararem o efeito da visualização da cena do crime em realidade virtual ou em uma apresentação de slides de fotografias, constataram que a experiência em realidade virtual levou os participantes a um veredicto mais coeso do que aqueles baseados apenas nas fotos.
Os pesquisadores observaram que os participantes que estiveram imersos na realidade virtual apresentaram maior precisão ao lembrar da localização correta dos itens de evidência, assim como alguns detalhes da narrativa. Em contrapartida, os participantes que visualizaram a cena através de fotografias tiveram opiniões divergentes em relação ao veredicto, enquanto aqueles que utilizaram a RV chegaram a um consenso quase unânime.
Os pesquisadores desenvolveram um experimento utilizando o motor de videogame Unity e um fone de ouvido VIVE Pro Eye VR. Eles mostraram dois conjuntos de 15 participantes a mesma situação de um crime, onde uma pessoa foi morta durante uma briga de estacionamento. Enquanto um grupo explorava a cena em realidade virtual interativa, o outro grupo apenas recebeu fotografias para examinar.
“Há vários motivos pelos quais optamos por sucesso e execução”, explicou o pesquisador Dr. Andrew Cunningham em uma comunicação por e-mail com o Mashable. Ele mencionou que o experimento foi baseado em um cenário de crime simulado usado por parceiros forenses, apresentava certa ambiguidade, exigia habilidades de compreensão espacial e interpretação, e não era excessivamente assustador ou estressante para os participantes.
A maneira como a evidência foi apresentada teve um impacto significativo na compreensão e interpretação das informações pelos participantes, bem como em seus vereditos posteriores. A maioria dos participantes que viram a cena em realidade virtual concluiu que se tratava de um caso de “morte por condução perigosa”, enquanto aqueles que viram fotografias tiveram uma maioria menor chegando a essa mesma conclusão.
Os pesquisadores afirmaram que a experiência foi criada com a colaboração de especialistas forenses, porém foi planejada para ser ambígua. Eles sugeriram a possibilidade de realizar mais pesquisas com cenários que tenham uma verdade clara. O propósito do experimento era investigar como os participantes constroem uma história a partir das informações fornecidas e como isso influencia suas decisões.
A interatividade da realidade virtual permitiu aos jurados examinar a cena do crime de uma maneira compreensível, auxiliando-os a conectar os eventos de forma coerente. A capacidade de permitir que os participantes vejam literalmente o ponto de vista do acusado foi especialmente impactante, com seis dos 15 indivíduos no grupo de RV declarando que isso influenciou sua decisão. Colocar-se na posição do acusado levantou dúvidas significativas sobre a alegação da defesa de que ele não podia ver a vítima – os participantes da RV concluíram que ele realmente tinha uma visão clara.
Os pesquisadores observaram que os participantes que presenciaram a situação em realidade virtual demonstraram uma probabilidade 9,5 vezes maior de escolher o veredicto de “Morte por condução perigosa”. Eles sugerem que a imersão proporcionada pela realidade virtual pode ter permitido a apresentação de informações em maior quantidade e de forma mais fácil de ser absorvida, resultando em uma exploração mais eficaz por parte dos participantes e possivelmente fortalecendo seu entendimento do ocorrido.
Os especialistas notaram que a realidade virtual pode ser especialmente valiosa para investigações de cena de crime que incluem superfícies reflexivas, como espelhos de carro, pois as fotos não são capazes de capturá-las de maneira confiável. Cunningham explicou ao Mashable que, embora a técnica de digitalização a laser que utilizaram não seja eficaz para registrar reflexos, tecnologias como o LightField do Google poderiam ser mais adequadas para essa função.
De forma interessante, os participantes que viram as fotos também puderam explorar o cenário de realidade virtual depois do experimento. Um deles disse que mudaria sua decisão inicial para ser mais tolerante, enquanto outros que optaram por uma punição mais severa no cenário ficaram ainda mais convictos em sua escolha.
Apesar de ser comum realizar visitas ao local físico em julgamentos com júri, as simulações em realidade virtual podem diminuir despesas e lidar com situações em que tais visitas não são viáveis. Os estudiosos propuseram a realização de mais testes com um número maior de participantes, permitindo que deliberassem em grupo, como em um julgamento real.
Segundo Cunningham, os custos das visitas do júri são altos, envolvendo milhares de dólares para deslocar o júri, juiz e planejar a visita. Além disso, as visitas podem acontecer meses depois do incidente, em condições climáticas diferentes, ou a cena pode ter se modificado.
Uma inovação de ponta, como a realidade virtual, pode parecer dispendiosa, mas Cunningham apontou que os scanners a laser atuais tornam o custo de digitalizar uma cena de crime insignificante. A análise da cena do crime também foi concluída em aproximadamente quatro horas, tempo que ele acredita poder ser reduzido com prática.
Segundo Cunningham, as agências de publicidade estão agora examinando locais de crime como parte das investigações, o que resultará em uma redução de custos. Especialistas forenses irão recriar ou examinar cenas minuciosamente para analisar detalhes como a trajetória de balas, e essas evidências podem ser apresentadas em tribunal na forma de vídeos.
Apesar de parecer que a tecnologia de Realidade Virtual seria muito útil no sistema legal, Cunningham prevê que levará mais de dez anos para que os jurados utilizem fones de ouvido no cumprimento de seus deveres.
“Segundo Cunningham, a realidade virtual será empregada inicialmente em investigações por agências policiais e especialistas forenses, mas ainda levará um tempo até ser utilizada nos tribunais.”
A popularidade da realidade virtual está aumentando gradualmente e se tornando mais acessível ao público em geral, trazendo benefícios significativos em diversas áreas. No entanto, apesar de ser uma tecnologia relativamente recente, o setor da justiça não costuma ser rápido em adotá-la.
“A tecnologia está se tornando cada vez mais amigável ao consumidor, embora sua implementação nos tribunais exija um juiz progressista”, afirmou Cunningham. “Após apresentarmos a tecnologia aos juízes sul-africanos, percebemos que ela está se aproximando e será utilizada nos tribunais em algum momento no futuro. É importante compreender o impacto da tecnologia para garantir os melhores resultados.”
Assunto: Realidade Virtual